Em Shennan, a larga artéria de dez faixas que atravessa a densa malha de arranha-céus do distrito financeiro da cidade — o edifício mais alto é o Ping An Finance Center, com 550 metros –, os automóveis com matriculas verdes, a marca que distingue os elétricos dos veículos de combustão interna, são já predominantes.
No ano passado, foram vendidos na China quase seis milhões de carros elétricos — mais do que em todos os outros países do mundo juntos.
Em Shenzhen, uma pacata vila de pescadores até à abertura da China à economia de mercado, nos anos 1980, quase 60% dos novos carros vendidos no ano passado eram movidos a eletricidade. No total, circulam nas ruas da cidade 740.000 carros elétricos. “Temos uma das mais altas taxas de penetração do mundo”, assegurou o presidente da câmara, Qin Weizhong, em conferência de imprensa. O objetivo é alcançar 1,3 milhões de unidades, até 2025, apontou.
A dimensão do mercado chinês propiciou a ascensão de marcas locais, incluindo a BYD, NIO ou Xpeng, que ameaçam agora o ‘status quo’ de uma indústria dominada há décadas pelas construtoras alemãs, japonesas e norte-americanas.
“As marcas tradicionais estão a trazer brinquedos analógicos para um parque digital”, descreveu Tu Le, o diretor da consultora Sino Auto Insights, à agência Lusa. O título de uma reportagem publicada pelo The New York Times é igualmente enfático: “Para o mercado automóvel da China, o elétrico não é o futuro. É o Presente”.
O “presente” é resultado de mais de uma década de subsídios, investimento a longo prazo e gastos com infraestrutura. “Foi preciso uma política industrial focada, muita paciência e muito capital”, resumiu Tu.
Em 2014, o líder chinês, Xi Jinping, afirmou que o desenvolvimento de carros elétricos era a única forma de a China se converter numa “potência do setor automóvel”. O país estabeleceu então como meta que os carros elétricos deviam representar 20% do total das vendas até 2025. Esse valor foi ultrapassado no ano passado, quando um em cada quatro veículos vendidos na China era elétrico.
Este rácio é também explicado pelas medidas adotadas nas principais cidades da China, que limitam a venda de automóveis, visando combater a poluição e o congestionamento do trânsito.
Shenzhen, por exemplo, concede apenas 100 mil matrículas por ano: 10 mil são atribuídas por lotaria e as restantes são leiloadas. Quem recorre à lotaria pode demorar anos até conseguir licença para comprar automóvel. Nos leilões, uma matricula chega a ser vendida por mais do que o equivalente a 10.000 euros.
Em 2017, a cidade introduziu as matriculas verdes para os veículos elétricos, que não estão sujeitas ao sistema de racionamento. O governo local oferece ainda um subsídio de até 10.000 yuan (1.350 euros), por veículo, a quem adquirir um carro elétrico, para além de isenção fiscal.
Cinco das dez marcas de veículos elétricos mais vendidas no mundo são agora chinesas. A maior é a BYD, que fica apenas atrás da norte-americana Tesla. O domínio chinês alarga-se também à indústria de baterias. As chinesas CATL e BYD são os maiores fabricantes mundiais. Pequim mantém ainda forte controlo no acesso a matérias-primas essenciais, incluindo terras raras.
Em entrevista à Lusa, Tu Le lembrou que o “catalisador” que obrigou as marcas chinesas a dar um salto qualitativo foi a abertura da fábrica da Tesla em Xangai, em 2019. A produção local deu à construtora norte-americana acesso aos mesmos subsídios e incentivos fiscais usufruídos pelos concorrentes chineses.
“Foi o efeito siluro”, observou o consultor, numa referência ao peixe que é um dos maiores predadores nos rios europeus e asiáticos, constituindo uma ameaça à sobrevivência de várias espécies locais. “Havia muitos peixes gordos e preguiçosos no lago, mas a entrada de um siluro obrigou a que se fortalecessem”.
Tu frisou que as marcas competem agora na China em preço e qualidade. “Não é mais uma questão de subsídios”, notou. “É o mercado a funcionar”.
Yang Li, um operário natural da cidade de Shijiazhuang, no norte da China, trocou recentemente um carro de combustão por um modelo elétrico, após ter feito contas às despesas diárias com gasolina versus com o abastecimento elétrico.
“Fica oito vezes mais barato”, disse. “A longo prazo, compensa”.