Depois de quatro dias de viagem, isto para aqueles motociclistas que apenas cumpriram o programa oficial do 25º Portugal de Lés-a-Lés entre Bragança e Sagres, pois muitos optaram por adicionar mais alguns dias antes e depois do evento organizado pela Comissão de Mototurismo da Federação de Motociclismo de Portugal, chegou ao fim a edição comemorativa das Bodas de Prata da maior aventura de mototurismo da Europa.
Em Sagres os cerca de 2500 motociclistas participantes encontraram o destino final e um palanque que tinha o Oceano Atlântico como cenário de fundo, numa terceira etapa entre Ourém e Sagres que, ao contrário dos dias anteriores, tinha mais quilómetros a percorrer, mas por outro lado as condições climatéricas foram bastante mais agradáveis.
Aqui fica a crónica da 3ª etapa do 25º Portugal de Lés-a-Lés nas palavras do gabinete de imprensa do evento da FMP
Portugal de Lés-a-Lés – 3ª etapa de Ourém a Sagres
“Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe”, diz a sabedoria popular. Um adágio perfeito para o cenário climatérico que envolveu a edição das Bodas de Prata do Portugal de Lés-a-Lés.
No Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o Rei-Sol prestou homenagem aos aventureiros descobridores das maravilhas deste ‘jardim à beira-mar plantado’, no final de uma maratona da ponta nordeste do mapa continental até ao local ‘onde a Terra acaba e o mar começa’.
Com a desagradável chuva intensa dos três primeiros dias como um pesadelo que parecia ficar para trás, a longa (muito longa, mesmo!) terceira e última etapa revelou um epílogo digno de filme galardoado no retrato da ligação entre Bragança e Sagres, com paragens em Viseu e Ourém.
Nesta 3ª etapa do Portugal de Lés-a-Lés foram 425 quilómetros, é certo, mas que se anteviam “mais curtos” – pelo menos em espírito – do que os 240 km da véspera, percorridos debaixo de condições climatéricas particularmente exigentes e que por isso foram mais longos e extenuantes.
Mesmo assim, foram mais de 10 horas em cima das motos, desde a saída, madrugadora, através do pouco explorado Ribatejo, onde foi ‘investido’ mais tempo para descobrir segredos, seguindo depois a planície alentejana em ritmo certinho para ganhar tempo.
Que seria bem aproveitado na parte final, num rendilhando mototurístico pela serra de Monchique, as falésias e praias quase desertas do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, para terminar em grande festa com o Atlântico como pano de fundo.
Sol brindou os resistentes e ‘Saramago’ não deu autógrafos
Num dia em que as temperaturas andaram entre os 20 e os quase 30 graus Celsius, com algumas nuvens no céu a proteger os aventureiros da inclemência do sol, havia que gerir esforços. Por isso, as verdejantes estradas encontradas para sair de Ourém fugindo a descaracterizados centros urbanos foram perfeitas.
Condições de excelência para atravessar a lezíria ribatejana, sem ver nenhum dos famosos fenómenos no Entroncamento para os encontrar, isso sim, um pouco mais adiante, na centenária Quinta da Cardiga. Imponente imóvel de história registada desde o tempo de D. Afonso Henriques, começando pelo castelo construído em 1169, e que foi local excelente para o Oásis da BMW Motorrad, que, desde há vários anos, é um dos principais suportes do Portugal de Lés-a-Lés.
Pequena pausa para esticar as pernas e tomar um café antes da entrada triunfal na Golegã, pela imponente Porta de Fernão Lourenço, assinalando nova estreia na maior aventura mototurística da Europa. Na vila onde o cavalo é rei, tempo para apreciar a Igreja Matriz, com magnifico portal manuelino e contemporânea do Infante de Sagres, ou a irreverente casa-estúdio do fotógrafo oitocentista Carlos Relvas.
Com as menções ao eventual pó de alguns pequenos troços de terra batida completamente desajustadas depois das chuvas dos últimos dias, a caravana teria o seu momento cultural um pouco mais adiante.
Em Azinhaga, era um ‘renascido’ José Saramago – e com um ar muito saudável, diga-se de passagem! – que esperava os motociclistas, de alicate em punho. Porque era mais importante picar a tarjeta do que levar um autógrafo!
Na terra natal do Prémio Nobel da Literatura, o enquadramento foi proporcionado pelos tradicionais campinos da região ribatejana sendo que, só por acaso, vieram de Guimarães, fazer jus ao nome de Conquistadores para arrebatar o coração dos maratonistas com quadros animados e extremamente bem conseguidos.
Mas havia que virar mais uma das 60 páginas do ‘roadbook’, rumando a Santarém via Pombalinho, terra de cheias sempre que o Tejo extravasa as margens, mas que nunca tinha vivido tamanha enchente… de motos.
Já na ‘capital’ do Ribatejo e depois de uma entrada muito interessante, longe das chegadas tradicionais, toda a monumentalidade foi apreciada em andamento. Já se sabia que o dia era longo pelo que a visita à Igreja de Santa Maria da Graça, um dos mais belos exemplos da arquitetura religiosa do gótico flamejante ou a descoberta do quartel de onde saiu a Revolução dos Cravos ficaria para outra ocasião.
Mas se a alma pode esperar pelas descobertas dos tesouros da nossa História, já o corpo, mundano, pede alimento com mais frequência. Por isso foi fácil aceitar o convite para a pré-estreia do enorme espaço da Bluemotor, representante local da Yamaha.
E que sublinha o entusiasmo crescente das marcas, sendo praticamente unânime o entendimento da importância de marcar presença no evento mototuristico que mais motociclistas movimenta em Portugal.
E que, além da BMW Motorrad, o maior suporte desde há vários anos, também a Yamaha, Honda, Suzuki ou Indian se tenham juntado a esta edição.
O ‘comboio’ que fez parar a ponte
Saindo da área urbana escalabitana através de inusitados caminhos rurais até ao Cartaxo, mais uma estreia com a travessia do Tejo através da surpreendente Ponte Rainha D. Amélia. Construída em 1904, a pensar nas necessidades ferroviárias foi adaptada, no início do milénio, à circulação rodoviária após a construção da nova ponte para o comboio.
Com 840 de travessia sobre grade, estreita e com semáforos porque apenas passa um automóvel de cada vez, criou natural constrangimento com a passagem das mais de 2000 motos, dando tempo a condutores e passageiros para se prepararem para a mudança de cenário.
Pela frente o extenso Alentejo, de retas intermináveis, uma seca para todos, mas, sobretudo para os que conduzem motos mais pequenas, de menor cilindrada.
Foi o caso do grupo das ‘cinquentinhas’ de Santo Estevão, com direito a enorme festa familiar à passagem por Coruche, ou de Madalena Casanova. Que numa Yamaha DTR125, partiu sozinha à aventura, aos 18 anos, e quase ’empurrada’ pela mãe! Tendo descoberto as vantagens das duas rodas “Aos 14 anos, para poder criar os próprios horários e ter independência nas deslocações”, foi cimentando uma relação forte com as motos.
Mesmo se não tem exemplos na família! O ‘bichinho’ foi entrando e “Este ano queria fazer uma viagem grande, sozinha, pela costa sul portuguesa e espanhola”. Mas a mãe, quiçá preocupada por imaginar a filha em modo solitário na estrada, falou no Portugal de Lés-a-Lés que havia descoberto, há uns anos, à pendura.
“Acho que, pelo olhar logo depois de ter falado, se arrependeu de imediato”. Mas há três coisas que não voltam atrás. A pedra atirada, a palavra dita e a oportunidade perdida. Por isso, sem muitas preocupações com o refrão da música ‘Para Ti Maria’ dos Xutos & Pontapés, saiu de Lisboa rumo a Bragança, sem medo das ‘nove horas de viagem’.
Em Trás-os-Montes a condutora mais jovem deste 25º Portugal de Lés-a-Lés começou a descobrir “Um ambiente único, com pessoas excelentes, algo que já imaginava pelo que ia lendo e ouvindo”. E no final de “Uma excelente e adorável primeira experiência em termos de grandes viagens”, garantiu que vai voltar, aproveitando até “A enorme experiência ganha na condução à chuva, algo que fez sentir pouca confiança no início, sobretudo com uns pneus de piso misto, mais próprios para andar na terra”. Além disso, a mãe da Madalena que se prepare, é que o convite para a presença no 8º Portugal de Lés-a-Lés Off-Road no início de outubro já foi feito e, imagine-se, aceite pela própria!
Os insetos que cortaram a estrada
Sem chuva e sem pó, embalada pela modorra alentejana, foi, porém, a carava surpreendida já no concelho de Évora por uma inusitada manifestação. Os insetos decidiram pronunciar-se contra o extermínio causado pelas motos e motociclistas, cortando a estrada em Valverde.
Reclamavam contra os atentados de que são alvo devido à velocidade, esborrachando-se nas viseiras dos capacetes e carenagens das motos. Uma ideia genial dos sempre criativos elementos dos Motards do Ocidente, que teve o condão de todos animar, motivo de todas as conversas no Oásis da Indian, à sombra e com vista sobre o lindo castelo de Alvito transformado em Pousada, e que se prolongou ainda na barragem da ribeira de Odivelas, no concelho de Ferreira do Alentejo.
Na represa do afluente do Sado, de enorme importância para a irrigação, permitindo a cultura do arroz, tomate e melão, a Honda tratou da sobremesa, com deliciosas bolas de Berlim e fruta para acompanhar o café, depois das sandes de carne servidas em Alvito. Um luxo!
Com as temperaturas normalmente mais quentes nas intermináveis retas alentejanas, os espíritos iam sendo despertos pelas notas do ‘roadbook’, como as que indicavam o caminho para Anta do Livramento ou de S. Brissos. Monumento megalítico, com mais de 5000 anos de existência e transformado em capela, tal como a Anta de Pavia, no concelho de Mora, que a caravana do Portugal de Lés-a-Lés já visitou por mais de uma vez.
Desvio que podia ser aconselhado às dezenas de Mazda MX5 ultrapassados pelo pelotão de duas rodas, já que fica perto da N2 que desciam em caravana de Chaves a Faro.
A beleza do sudoeste alentejano e a homenagem ao campeão
Depois de Viana do Alentejo, Ferreira do Alentejo e Aljustrel, fletindo para sudoeste, por estradas desconhecidas, panorâmicas e bem asfaltadas, começava a 3ª fase da terceira etapa, entre medronheiros, sobreiros e azinheiras. Mas antes de virar para Monchique e daí, por Marmelete, descer rumo à costa, o Oásis BP montado em amplo espaço nas margens do rio Mira, em Santa-Clara-a-Velha, tempo para duas ou três notas.
Primeiro: a presença de elementos do MC Porto, sempre prontos a ‘picar’, mesmo tão longe de casa. Segundo: a coincidência com as festas da vila que impediu a travessia do pequeno pontão que já serviu em outras ocasiões, obrigando a uma volta maior. Terceiro: a saída, numa íngreme e curta subida em terra batida assustou os menos experientes, com motivos de receio que se revelaram infundados.
Continuando por estradas de serra recheadas de deliciosas curvinhas até à Fóia, onde a temperatura fez jus aos 902 metros do ponto mais alto do Algarve, tempo para uma fotografia junto à estátua que celebra o triunfo de Remco Evenepoeel, o atual campeão do Mundo de ciclismo, na Volta ao Algarve de 2020 e 2022.
Tempo também para apreciar a ampla vista sobre o horizonte, abarcando o Atlântico, ganhando alento para a ponta final e despertando para as maravilhas que aí vinham. E, aconselhados pelos animados elementos do MC Albufeira naquele que era o último controlo em estrada, lá foram os motociclistas até Aljezur, Vila do Bispo e Sagres, onde a terra acaba e o mar começa.
Descida belíssima em direção a praias fabulosas, com falésias e paisagens de cortar a respiração e uma tranquilidade que não se encontra nas superlotadas praias voltadas a sul.
Em aconselhada visita opcional, os mais regulares participantes tiveram tempo para pensar nas férias de verão, passando pelas praias da Bordeira e do Amado, a meca do surf, ou o Pontal da Carrapateira.
E outras, praticamente desertas como Cordoama ou Castelejo, antes de subir ao palanque que marcava o ponto final de 1085 quilómetros de descoberta e aventura.
Foi a 25ª edição da maior maratona mototurística da Europa, ao longo de algumas das mais belas estradas nacionais, municipais e regionais. As autoestradas e vias rápidas, essas ficaram para o regresso a casa dos 2500 motociclistas extremamente satisfeitos e de alma cheia depois de mais um extremamente elogiado Portugal de Lés-a-Lés.
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