O Mundial de Fórmula 1 decide-se este fim de semana no GP de Abu Dhabi, no qual se prevê uma animada luta pelo título. Estão envolvidos Lando Norris, Max Verstappen e Oscar Piastri, que cabem em 16 pontos.
A vantagem está do lado de Norris (McLaren), com mais 12 pontos do que Verstappen (Red Bull) e mais 16 do que o colega de equipa, Piastri.
À beira de um fim de semana potencialmente decisivo, dois dos comentadores especialistas da DAZN em Portugal responderam a algumas perguntas de antevisão colocadas pelo Auto ao Minuto. Foram eles o apresentador Óscar Góis e o piloto comentador Henrique Chaves.
Ao olhar para a temporada como um todo, quais foram, de forma resumida, os principais pontos fortes e fracos demonstrados por cada um dos três candidatos ao título?
Óscar Góis: No campo da McLaren, ao pararem cedo o desenvolvimento do MCL39, facilitaram a vida a Verstappen, permitindo ao campeão do mundo ter uma arma capaz de igualar em performance Piastri e Norris.
As regras de não-agressão entre os pilotos McLaren, que podiam funcionar se fossem apenas os dois a lutar pelo título, revelaram-se um problema suplementar. Verstappen chegou a estar a 104 pontos da liderança, ou seja, os pontos de mais de 4 GP. Mesmo assim, recuperou.
Do lado positivo, o McLaren foi o carro mais “todo-o-terreno”. No Red Bull era mais difícil encontrar a janela de competitividade ideal e isso aconteceu mais vezes depois de Verstappen ter assumido a liderança desse processo, após o afastamento de Christian Horner como CEO da equipa.
O neerlandês soube então procurar o limite do RB21. Depois da pausa de verão nunca falhou um pódio e marcou 84% dos pontos disponíveis.
De que forma o facto de ver uma vantagem confortável, como a que os pilotos da McLaren chegaram a ter, escapar em poucas corridas pode afetar a confiança de um piloto e de uma equipa?
Henrique Chaves: Os pilotos jogaram o jogo da McLaren, que nunca quis escolher um ou outro para ser candidato ao título, sobretudo quando o Red Bull guiado por Verstappen renasceu após a pausa de Verão. Obviamente, sentir a vantagem ser reduzida não foi aceite de bom grado. Mas o objetivo do piloto é sempre ganhar a prova seguinte.
Lando Norris lidera e assim tem tudo a perder neste momento. Para Verstappen, seria mais um título. Já Oscar Piastri parecia estar bem encaminhado para ser campeão e chega aqui na pior posição. Até que ponto os contextos diferentes podem significar um grau de pressão psicológica diferente?
Henrique Chaves: Norris lidera e, de facto, é o que tem mais a perder. Mas também é o único que depende apenas dele – qualquer lugar do pódio dá-lhe o título. Digamos que há uma dualidade de emoções, sendo, quem sabe, menos difícil de gerir a pressão.
Piastri vem de uma fase menos boa, ao que parece motivada por não se adaptar tão bem aos circuitos com menos aderência e menos apoio aerodinâmico. Ressurgiu no Qatar, ainda que a equipa lhe tenha “roubado” uma vitória quase certa. Nunca um piloto liderou o campeonato durante 15 GP e não foi campeão no final do ano. Uma estatística que pesará ao australiano, ou lhe dará ainda mais vontade de contrariar?!
Verstappen não tem nada a perder. Se conseguir o prémio máximo é um bónus… pois como ele refere, foi mais a McLaren que, caso ganhe, lhe entregou o título.
Max Verstappen já esteve numa situação parecida em 2021, quando não tinha nada a perder. Psicologicamente, esse poderá ser um ponto vantajoso para o holandês?
Henrique Chaves: Os anos passam e não se repetem. Mas ter enfrentado essa batalha de 2021 é uma ajuda, tal como os quatro títulos. Uma almofada, não tanto de conforto, mais de estatuto e de obra feita.
E também há pressão para as equipas nesta fase, em que um mínimo erro nas boxes pode deitar tudo a perder…
Óscar Góis: Vimos isso no Qatar e nesse aspecto a McLaren tem sido de extremos – grandes paragens nas boxes e também muitos erros. Norris e Piastri sofreram na pele, ainda no passado domingo, o facto de a estratégia da Red Bull ser mais fácil de gerir que a da McLaren, por não terem de se preocupar com o possível prejuízo de um dos pilotos.
Abu Dhabi é uma corrida normalmente de apenas uma paragem. Sem muitas complicações. Mas o que aconteceria se a poucas voltas do final, como em 2021, houvesse um safety car? Se estiver um McLaren na frente, para ou não? E os dois pilotos fazem a mesma estratégia? Apenas um cenário para que se perceba que nada está garantido de avanço.
Um Red Bull contra dois McLaren e, mesmo assim, Max Verstappen conseguiu recuperar de 104 para apenas 12 pontos de desvantagem em apenas oito corridas. Que fatores podem explicar esta recuperação improvável do holandês?
Óscar Góis: Com a chegada de Laurent Mekies ao comando da Red Bull, a forma de atuar da equipa mudou. A parte técnica ganhou força, não fosse o francês um engenheiro. E a Red Bull teve a capacidade – técnica e mais ainda de gestão financeira, mesmo com o teto orçamental – de continuar a desenvolver o RB21. Para além disso, a equipa usou Yuki Tsunoda como cobaia para o desenvolvimento de peças e testes comparativos das mesmas. A magia de Max ao volante fez o resto, num compilado de razões que levaram a que o (quase) impossível, se tornasse uma possibilidade.
O grau de atenção e recursos alocados à preparação do projeto de 2026 pode ter tido algum peso?
Óscar Góis: Nunca saberemos ao certo. Mas sem dúvida que a McLaren parou o desenvolvimento do carro deste ano mais cedo que a Red Bull. Se calhar, porque confiava ter uma máquina imbatível e ser a batalha pelo título uma “coutada” dos pilotos dos carros papaia.
Oscar Piastri foi o mais regular e consistente até Itália, ao nunca falhar o top nove, com apenas dois resultados fora do pódio. Daí em diante, só conseguiu mais um top três. É possível que a situação do GP de Itália tenha impactado negativamente o australiano?
Óscar Góis: Difícil de dizer. Por que não atribuir mais impacto à penalização no GP da Grã-Bretanha? Não parece que as regras papaia tenham penalizado mais um ou outro piloto. Penalizaram antes o todo, tornando a conquista do título, por parte de um deles, mais complicada, quem sabe até impossível.
Piastri pode queixar-se que, após o problema de motor de Norris em Zandvoort, e tendo 34 pontos de vantagem, a McLaren não tivesse previsto o “renascimento” de Verstappen e dado ao britânico o papel de “aguadeiro” do australiano.
A McLaren optou por não favorecer um dos seus pilotos na luta, nem mesmo no contexto da aproximação galopante de Verstappen. Pode falar-se de uma decisão corajosa e ética do ponto de vista desportivo? E pode ter perdido a oportunidade de chegar mais confortável a Abu Dhabi?
Óscar Góis: Sem dúvida que sim. Eticamente muito corajosa. Desportivamente pode revelar-se um desastre. É difícil, para não dizer impossível, de analisar estando de fora, sem estar na posse de todos os dados. A determinada altura, quase que se pode pensar que o título de construtores era mais importante para a McLaren do que o de pilotos.
Em termos desportivos e de competitividade, a quem atribui favoritismo para Abu Dhabi, e porquê?
Óscar Góis: Norris tem um bom “score” total em Abu Dhabi, o melhor de todos os pilotos na grelha, pese embora Verstappen tenha ganho quatro vezes consecutivas entre 2020 e 2023. Piastri tem apenas um sexto e um décimo lugares.
Mas esses resultados dizem muito pouco. Cada GP é uma história a ser escrita e não rescrita.
Norris tem a vida mais facilitada – só precisa de um pódio, ou seja, basta-lhe, teoricamente, seguir a concorrência. Max tem de ficar no top três para esperar chegar ao título e Piastri no top dois, dependendo ambos dos resultados de Norris. Os segundo e terceiro do campeonato têm de usar mais a calculadora nas 58 voltas finais da temporada.
A história da Fórmula 1 é feita não só de grandes campeões dominadores, como também de lutas renhidas. Acredita que a época de 2025 estará viva na memória dos adeptos pelo intenso duelo até ao fim? À semelhança de temporadas como as que opuseram Alain Prost e Ayrton Senna, as de 2007, 2008 ou até a de 2021?
Óscar Góis: Sem dúvida, talvez por razões diferentes. Mas, sobretudo, se Verstappen for pentacampeão, apenas o segundo a conseguir cinco títulos consecutivos, depois de Schumacher (2000-2004). Nunca um piloto recuperou 104 pontos de atraso para o líder e, mais ainda, em apenas nove provas no final da temporada.
O regresso aos títulos por parte dos pilotos da McLaren, 27 anos depois do último, ou 37 se considerarmos os dois ceptros na mesma temporada, terá menos impacto.
Ou até o facto de haver três candidatos na última jornada. Esta é a 12.ª vez que tal acontece e a essas acrescentam-se ainda mais duas – 1956 e 2010 – onde eram quatro os pilotos que ainda podiam ser campeões.
